Terra Cobre de João Pais Filipe e Marco da Silva Ferreira
A primeira vez que vi o João Pais Filipe ao vivo foi na sala Novo Negócio, em duo com o Pedro Melo Alves, a 15 de junho de 2021.
Esse concerto está, até hoje (e acredito que assim irá continuar), na minha lista de melhores concertos que vi. Comentei na altura com quem estava comigo que não sabia o que escrever além de: “impactante, memorável e que me fazia ficar ali sentada, horas a fio, a ver e ouvir os dois, naquele diálogo perfeito, harmonioso e disruptivo sempre que foi preciso”.
Mais tarde, em julho desse ano, entrevistei o João Pais Filipe para o Covidarte e prometi que ainda iria escrever sobre esse concerto. Não o fiz, passou o timing, mas o que senti nesse concerto ainda está muito presente em mim.
No passado dia 30 de setembro repeti a experiência. Desta vez fui até à Estufa Fria assistir à performance Terra Cobre, do músico e escultor João Pais Filipe e do coreógrafo e bailarino Marco da Silva Ferreira, no âmbito da programação da BoCA – Biennial of Contemporary Arts.
Era para começar às 19h00, começou 37 minutos depois (questão devidamente explicada ao público, o que mostra respeito por quem ali estava). Ninguém desistiu. A amabilidade de quem estava a gerir o momento ajudou, o espaço da Estufa Fria convida-nos a usufruir do ambiente e quem lá estava sabia que esperar para ver a performance iria valer a pena.
Terra Cobre começa com um braço que se move, um chocalho que é a extensão do corpo do Marco da Silva Ferreira (que daqui para a frente será apenas Marco). O corpo é usado como meio percutivo. Temos a força no bailarino e a subtileza no músico. Estou sentada a absorver mundo, tradições, mudanças, adaptações. E começou há menos de 2 ou 3 minutos.
As percussões do João Pais Filipe (doravante João) são perfeitas, sem margem para erros. Técnica, criatividade, foco, sensibilidade são palavras que definem o trabalho do João.
Olho para o Marco, o ritmo, o corpo ao serviço da vontade. A possessão e o exorcismo, a antítese entre o térreo e o ancestral. Um transe que passe para o nosso corpo.
De forma inesperada ecoa um canto vindo do Marco: “Ao romper da bela aurora (…)”. Cenicamente a voz e os corpos ganham outra presença, não há percussões durante o canto.
O gongo entra para que deixemos o térreo do canto e nos deixemos guiar até ao lado mais transcendente. Repetitivo, hipnótico, pulsante. O Marco regressa e faz-me viajar até aos Caretos. Volto ao tradicional, deixo que a história se baralhe, me troque perceções e que os chocalhos acabem pendurados e silenciados no momento final.
Ver Terra Cobre é fazer parte da experiência que se desenvolve entre a aldeia e o mundo, entre o corpo e os sons. Mais uma vez o João Pais Filipe não desilude e o Marco da Silva Ferreira ficou dentro do meu radar de artista a acompanhar.
Aproveitem e espreitem a agenda da Boca 2023 com programação a decorrer até 15 de outubro de 2023.