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Parabéns, Alberto Pimenta!

Parabéns, Alberto Pimenta!

Dizem os crentes que a 25 de dezembro nascia Jesus. Creio noutras coisas: na arte, na escrita, na reflexão, no humor, na poesia. Sem precisar de ser crente sei que a 26 de dezembro de 2023 celebramos 86 anos de Alberto Pimenta.

Celebro o nascimento de Alberto Pimenta com um copo de gin, enquanto me presenteio (leram bem: a mim, não ao Alberto) com o seu texto Perspectiva sobre a morte do seu livro Que lareiras na floresta (2010).

“A morte é uma coisa que pertence à vida, embora muitos pensem que não. A morte digna é uma felicidade a que o homem tem direito. É, ainda, a busca da última felicidade possível para uma vida. A morte digna já não pode ser exatamente como no tempo dos romanos, na banheira, a cortar lentamente as veias, com rosas a boiar na água, rodeado dos amigos e das amigas…, mas o que vejo hoje é que a maioria das mortes são indignas: as pessoas são depositadas em lares da terceira idade – que são eufemismos para matadouros: tal como as vacas e os bois, as pessoas, quando já não servem para o trabalho, vão para o matadouro. Porque esta é uma sociedade de trabalho, de produção!”

A si, Alberto Pimenta, desejo que esteja por cá mais tempo e que continuemos a lê-lo, a rir e a aprender consigo. Ainda não chegou a altura de ir para o matadouro.

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Foto retirada do site https://www.edicoesdosaguao.pt/
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Desconfinei as palavras. Um texto em memória de Juva Batella.

Desconfinei as palavras. Um texto em memória de Juva Batella.

Em abril de 2022 fique sem palavras. Acho que as recuperei este ano. Só agora sei exatamente o que quero dizer e como quero dizer. Quis a vida que me cruzasse com o Juva durante a pandemia. A mão que me levou até ele foi a da Rosane Nunes, fundadora da Editora Raíz, atual Cambucá.

A Rosane convidou-me para escrever um conto para a colectânea Conto em Casa. Aceitei de imediato sem saber muito bem o que esperar de mim. Estava a viver um período complicado. A pandemia, a ansiedade, o medo, a auto-pressão de manter o Covidarte em funcionamento, o mestrado, a maternidade… Tudo isto fechada em casa, com medo de um vírus ainda muito desconhecido e com as emoções à flor da pele. 

O Juva iria ser uma lufada de boa energia que iria entrar pela minha janela. Mas isso eu ainda não sabia. A Rosane diz-me que gostava que apresentasse o conto do Juva, O espaço do meu tempo, numa emissão em direto e ele apresentaria o meu A caixa da Pandora. Mais uma vez não hesitei, mas instalou-se o peso da responsabilidade.

Comecei imediatamente a pesquisar sobre o Juva, a ler textos dele, e senti-me pequenina. Muito.

Combinámos uma sessão os dois para nos conhecermos, falarmos de nós, contarmos as nossas histórias, partilharmos o bom e o mau. Os tempos de tormenta e os dias de sol de quem escreve. A imagem romântica daquilo que fazemos. “E aí, Margarida!”. Começou assim a nossa chamada de vídeo. Estávamos em novembro de 2020, ele de t-shirt no Brasil e eu de gorro em Portugal.

“Acreditas que fiquei sem sentir cheiro algum desde que tive Covid? Nem o lixo mais fedorento”. Falar com ele era tão fácil. As futilidades e os temas mais robustos tinham a mesma intensidade na nossa conversa. “Fui ver o teu site. Li o que escreves. Tenho perguntas para te fazer.”
Fiquei com o coração acelerado. “Gosto do que escreves. Da forma crua como escreves”. Leu-me textos meus. Apanhou-me de surpresa. “A tua escrita lembra-me os contos da Lydia Davis. Conheces?”. Respondi-lhe que não. “Tens de ler. Vais identificar-te.” 

Tempos mais tarde encomendei, li, e ele tinha razão.

No dia 16 de novembro de 2020 riamos juntos em direto. “Queria iniciar com uma narrativa breve/um mini conto/um texto poético (…) da Margarida que me incomodou muito. No sentido mais potente da palavra”.

“Desconfinei-me.
Desconfinei-me de quem era. De quem fui.
Isolada, desconfinei-me.
Desconfinei-me da rotina que conhecia até então.
Confinei-me a levar um dia de cada vez. Sem planos, sem ambições.
Desconfinei-me de quem era.
E assim irá ser até poder voltar a confinar-me a uma vida que conheça de trás para a frente e de frente para trás”.

O Juva não sabe o que este momento representou para mim. Talvez porque nunca lho disse. Em novembro de 2020 o Juva trouxe-me confiança, boa energia, sorrisos e amizade. Mais tarde, em fevereiro de 2021, encontrámo-nos pessoalmente em Portugal. Disse-lhe que gostava de escrever algo com ele. Nunca aconteceu. Em 2022 fui surpreendida pela mensagem da sua morte. Fiquei sem saber o que dizer. Talvez por achar sempre que teremos mais tempo uns com os outros. Talvez porque deixo sempre tantas mensagens por enviar e tanta coisa por dizer a quem gosto, a quem se cruza comigo e acrescenta sempre algo mais.

O Juva tinha uma energia muito própria. Uma forma de me encorajar que ainda não tinha sentido. 
A ti, Rosane não quero deixar nada por dizer. Em vida! Obrigada por teres cruzado o meu caminho com o do Juva. Obrigada por me confiares a entrevista a este homem que eu desconhecia. Obrigada por teres estado em Portugal, rirmos juntas e acreditares no meu trabalho.

A ti, Juva. Mais de um ano após a tua morte, voltaram-me as palavras. Posso agradecer-te o teu olhar sobre os meus textos. A tua entrada no meu Mundo. As palavras têm o seu tempo. O tempo que demorei a digerir as emoções. Demorei, mas está cá fora. Desconfinei as palavras e sei que gostarias de as ler.