Gonçalo Almeida
“Os dois instrumentos permitem-me abordagens e formas de estar na música distintas, um pelo sentido sensorial mais delicado e acústico, o outro pela forma mais visceral e pesada. É o equilíbrio dos dois que acaba por fazer a minha forma de estar na música e têm como linha condutora o experimentalismo”.

(Diz)Sonâncias (DS): Estás completamente dentro da cena jazzcore e de improvisação. Fala-nos um pouco do teu percurso e da ida para a Holanda.
Gonçalo Almeida (GA): Os meus primeiros passos na formação musical foram na escola do Hot Club e foi aí que me inciei no estudo do contrabaixo. Seguiram-se anos de estudo da linguagem jazz a par da música clássica, mas foi no departamento de jazz de Roterdão que acabei por ir estudar em 2002/03. Essa acabou por ser a razão que me levou a viver na Holanda, país e cidade onde ainda hoje sou residente.
(DS) Sente-se que o metal está imensamente presente no teu trabalho. Onde e quando surgiu esta influência?
(GA) Desde cedo tive gosto por música, embora o jazz tenha aparecido mais tarde quando decidi ir para o Hot, levava já dos tempos da escola secundária um enorme interesse em música alternativa do metal ao rock progressivo, etc. Foi essa a razão que me levou a pegar no baixo elétrico e ter enorme sastifação a tocar em bandas de garagem e estar constantemente a trocar discos com amigos. Essas raizes e gostos ficaram sempre comigo.
(DS) Achas que Portugal está bem “posicionado” no panorama do jazz europeu (salas, nº de concertos, divulgação e adesão aos concertos e eventos)? Que pontos consideras relevantes no que se faz por cá?
(GA) Eu creio que Portugal está com um ambiente cada vez mais variado, ativo e saudável no que diz respeito ao jazz e à música improvisada. Com público recetivo e com o aparecimento de espaços alternativos, para além das já conhecidas salas, clubes e festivais, a promoverem este tipo de música.
Exemplo disso é a variedade de festivais ao longo do ano por todo o país, com os municípios a apostarem neste tipo de eventos. Seria, contudo, bom que existissem para além dos festivais mais apoios e espaços descentralizados da capital, para que se pudesse criar um circuito mais vasto.
(DS) Falhei o gigs de Ikizukuri e Albatre na SMUP (Parede, Lisboa). Aquele sótão é um dos teus spots de eleição? Qual é a vibe dos concertos ali?
(GA) Nos últimos anos criei um carinho especial pela SMUP, pelo facto de ter lá tocado com variadíssimos projetos e o acolhimento e atenção do público terem sido sempre excecionais. Isso acabou por se ter revelado já em dois discos gravados naquele espaço (The Attic e Multiverse).
Para quem já lá tocou sabe o quanto aquele sótão é íntimo e convida a uma música de concentração máxima. Acho que é o resultado de uma fórmula que envolve espaço, quem o organiza, público e músicos.
(DS) É natural, no panorama em que desenvolves trabalho, os músicos unirem sinergias e criarem de forma livre e espontânea. Há alguns músicos, em particular, com quem sintas maior empatia no momento de criar? Como encaras e interpretas o processo de criação?
(GA) Um dos pontos interessantes na música de improvisação livre é exatamente o facto de muitas vezes ser uma forma de conhecermos o músico e a(s) pessoa(s) com quem tocamos. A espontaneidade faz parte desse diálogo e são sem dúvida essenciais a abertura e a confiança. Adoro reencontrar amigos desta forma e tocar nos mais diversos projetos pela mesma razão.
(DS) A tua procura por novas sonoridades, músicos e projetos determina o teu processo criativo? Quais as tuas motivações para alimentares o processo criativo?
(GA) Gosto de explorar constantemente diferentes constelações musicais, é uma necessidade pessoal e criativa. Interargir com diferentes músicos/instrumentos e procurar sinergias que levem a resultados variados dá-me imenso gozo. É também uma forma de estar constantemente ativo e explorar a música de várias formas, sempre com a experimentação como plano de fundo.
(DS) No panorama musical: Portugal Vs Holanda. Quem ganha?
Empatado até ao final, sem penaltis e com os dois vencedores. Não consigo ver as coisas dessa forma, ambos os ambientes musicais são ricos e têm uma cena própria. É verdade que na Holanda o jazz e a música improvisada têm uma história mais rica e instituida por mais anos, contudo creio que Portugal tem um sentido criativo em geral extremamente rico e especial, que resulta numa qualidade de músicos e projetos de jazz e música improvisada, do melhor que se faz pela Europa na atualidade.
(DS) Baixo Elétrico Vs Contabaixo. A tua eterna paixão recai sobre qual?
(GA) Isto é a pergunta do Ying Yang. Os dois instrumentos permitem-me abordagens e formas de estar na música distintas, um pelo sentido sensorial mais delicado e acústico, o outro pela forma mais visceral e pesada. É o equilíbrio dos dois que acaba por fazer a minha forma de estar na música e têm como linha condutora o experimentalismo. Contudo confesso que o contrabaixo é o instrumento que mais procuro explorar e com o qual sinto um afeto especial.
(DS) Também tens o teu site artalmeida. A pintura é um complemento à música? Consideras importante o cruzamento entre as diversas expressões artísticas? Como encaras esse cruzamento?
(GA) Os processos criativos são até semelhantes, dado que a espontaneidade e a experimentação são em ambas as disciplinas uma linha de condução para o meu trabalho. A pintura acaba por ocupar um espaço mais privado e acontece por períodos, por vezes nos momentos em que estou mais livre da música. Por vezes é um escape a tudo e que utilizo só para mim.
(DS) Fala-nos um pouco deste ano de 2019?
(GA) 2019 tem vindo a ser um ano ativo, com várias tours com diferentes projetos pela Europa fora. Para além dos discos já lançados este ano (Cement Shoes, Multiverse e The Selva) destaque para o acabadissimo de sair, The Attic “Summer Bummer”.
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