Margarida Azevedo

Kramp | María José Ferrada

Este livro está, neste momento, no primeiro lugar do meu top de 2023! 

Li-o numa manhã, da semana passada. Acordei eram 5h30, indisposta e entre o sono que não regressava e o silêncio da minha casa, decidi abrir o Kramp. Encomendei-o em julho, mas ouvi falar dele pela primeira vez a 3 de junho, na Feira do Livro de Lisboa, na apresentação da chancela Questão Pentagonal. Corri muito nesse dia, cheguei atrasada, mas sabia que ia valer a pena. A Antena 2 esteve por lá e podem ouvir a apresentação da Questão Pentagonal no site da RTP.

Esta chancela, do Grupo Narrativa, foi criada pelo Afonso Cruz e traz até nós traduções de obras desconhecidas, até agora, em Portugal. 

Quem me conhece sabe que gosto muito da escrita do Afonso e não é de estranhar a minha curiosidade sobre o que ele nos daria a conhecer com a Questão Pentagonal.

Kramp, de María José Ferrada e tradução de Afonso Cruz, é um livro que não nos deixa fazer uma pausa. Assim que iniciamos a leitura não há volta a dar: é para ler de seguida nem que para isso se tenham de esconder algures em vossa casa para que ninguém vos incomode. 

D, pai de M, é um caixeiro-viajante que acredita que “toda a vida tem a sua alunagem”. Vende pregos, serrotes, martelos e olhos mágicos da marca Kramp e tem como companheira de trabalho a filha, M. Partilham visões, lições e cigarros. No capítulo IV, M mostra-nos a sua classificação das coisas e acreditem que não vão conseguir parar de ler.

A lucidez de M sobre a vida é incrível e a forma como esta lucidez é conseguida na escrita de María José Ferrada é maravilhosa. M tem mãe e tem D (que será pai nas últimas páginas do livro). Não quero estragar a leitura, mas estes pormenores na escrita do livro tornam-no delicioso e terei de o reler porque a isso me sinto compelida pelo Grande Carpinteiro (criador do Mundo ao olhos de M). A forma como M explica o mundo e o seu funcionamento a partir dos produtos Kramp é genial.

Todas as personagens entram subtilmente, com descrições tão bem conseguidas que nos fazem querer descobrir mais sobre S, F, E, C e todos os outros.

As lições de vida que um único parafuso nos traz, pequenos detalhes que vamos lendo e que se revelam gigantes quando menos esperamos, e esta vontade louca que tenho em contar-vos cada frase incrível que li, que me agarrou, que me ensinou a olhar o outro de várias perspetivas nesta história. Este livro põe-nos no papel de mãe, de pai, de amiga, de criança e de adulto. Dá-nos tanto e tão rápido.

Com a escrita de María José Ferrada espreitei silenciosamente pelo olho mágico da minha porta e vivi a história de M como se fosse minha.

Com este livro a autora recebeu o Prémio do Círculo de Críticos de Arte, o Prémio Melhores Obras Literárias do Ministério das Culturas, das Artes e do Património e o Prémio Municipal de Literatura de Santiago.

Que bela escolha, Afonso, para começares a Questão Pentagonal. O próximo na lista para encomendar e ler é Não deixes que uma boa notícia te estrague o dia (aforismos), de Ramón Eder. Tenho a certeza que não me irá desiludir.