Publicado em

2 Chamadas Não Atendidas

2 Chamadas Não Atendidas

Podem ouvir aqui.

Piano, Bombardino, Oboé. André Louro, Gonçalo Marques e Artur Rouquina.

Senta-te e tira o som ao telefone. 2 Chamadas não atendidas é para estar de olhos fechados e ouvir com atenção.

Em “Berceuse” também eu perderia 2 chamadas. Dois sopros e um piano que nos embalam harmoniosamente. Em menos de um minuto e meio estamos em “Porreiro, Pá”. E sim, levanta-te. Começa a dar uns passinhos de dança enquanto sorris. Sorri abertamente porque três músicos te trazem o melhor de si logo no segundo tema. Um minuto e dez e estás em ansias para perceber o que te reserva “Oh Zé…”. E reserva-te um piano profundo, que te faz suster a respiração. Talvez te faça voltar a sentar, talvez te conte a história de uma paixão-desilusão. Talvez te faça querer cair nos braços de alguém e ansiar aquele beijo. A mim, leva-me para o início de uma história simples.

— Oh Zé, não vás. Beija-me, agarra-me, leva-me contigo.

Ela verte uma lágrima enquanto ele se afasta vagarosamente em passo arrastado.

“O Paninho” mantém-nos na história. Talvez ela entre num auditório onde se perde com o que ouve. Ao sair olha para o telefone “2 chamadas não atendidas”. E a história poderia continuar. Mas voltemos ao disco. Quando volto o trio mantém-se em pleno. Chego junto a eles em plena “Suite do Caos” (o meu tema de eleição deste disco). Em oito minutos e meio fizeram-me querer estar amanhã na Fábrica do Braço de Prata, a vê-los ao vivo. A entrar na história, a sentir as respirações de perto, a deixar-me guiar pelo piano. A deixar que me levem. Sopro a sopro, tecla a tecla. É um daqueles discos que se entranha, pela leveza que nos traz.

Deixo-me levar até ao “Carregado” e prevejo uma “Triste Agonia”. Volto à história.

— Zé? És tu, Zé? – murmura enquanto as pálpebras teimam em querer fechar.

A porta volta a ranger. Põe-se de pé num ápice. O coração bate descompassadamente. O longo vestido preto continua na cadeira.

— Zé? És tu, Zé? – volta a perguntar enquanto ajeita o cabelo. O longo cabelo preso apressadamente.

Pára. Senta-se na cadeira junto ao vestido. Decide manter-se ali e esperar.

Volto ao disco. “Aquário”. E voltamos a passear, a dançar e a sentir a história a mudar. Dou por mim a pensar: eu a ouvir oboé e bombardino? A sério, Margarida?

Desde os tempos de Conservatório que não ouvia oboé. E é bom voltar atrás tantos anos, voltar a ouvir alguns apontamentos que ao meu ouvido soam, agora, estranhos. Talvez ande tão embrenhada noutras sonoridades que só com este disco tenha percebido que existem instrumentos que não ouço com tanta regularidade. Que os anos passaram e que me afastei de alguns sons que me trazem boas memórias.

“Ai, Bonitinha” é o momento de fecho. Em três minutos percebo que o Zé não voltou, que ela perdeu as chamadas e se deixou ficar sentada na mesma cadeira onde repousava o longo vestido preto.

Se gostava de escrever uma narrativa de ficção para este disco? Adorava! Porque entre o Zé e a Suite do Caos muito existe para contar.

Um disco para ouvir atentamente e que nos deixa curiosos para os ver ao vivo.

Image Not Found

Publicado em

NoA | Evidentualmente

NoA | Evidentualmente

Facebook NoA

Entramos no disco devagar. No primeiro tema “Miss Q” os vocalizes e a batida fazem-nos fechar os olhos e em plena pandemia sentir o fresco de um gin a escorregar-nos pela garganta num anfiteatro numa noite quente de julho.

Em “Valéria” estamos perante uma mulher irrequieta, cheia de apontamentos subtis e irregulares. Se descrevesse a Valéria seria simples vislumbrar uma mulher deslumbrante, que caminha elegantemente pela calçada portuguesa. Talvez morena, de olhos claros. Quem por ela passa, não lhe fica indiferente. Esta seria a música que Valéria iria a ouvir enquanto descia a Avenida da Liberdade. Chegada ao Rossio, descansa numa esplanada enquanto lhe servem um café.

Em “Abertura” entramos num groove que nos transporta até ao início da noite. Talvez encontremos por lá a Valéria. Num bar requintado de Lisboa.

O trio (Nuno Costa, Óscar Graça e André Sousa Machado) em plena sintonia numa viagem em que o caminho se trilha a direito, sem curvas e contracurvas, com um desfecho que se prevê harmonioso.

“O Duende do Velho Oeste” segue esse caminho, que nos traz paz no caos atual. Um disco que ao longo dos temas nos permite recostar e usufruir, sem perturbações. Que nos apazigua a mente e nos relaxa os músculos, por vezes tensos da lufa-lufa quotidiana.

Continuo focada no gin, trago a trago, enquanto se trocam conversas sobre o que se está a ouvir. Ora me desligo do piano, ora volto para lá. Deixo-me guiar entre o gin, a companhia e o disco. “O Duende do Velho Oeste” e o seu piano. Esse piano que me traz lágrimas discretas, talvez pela saudade das ruas inundadas de gente em julho.

Costumo escrever sobre improvisação, sobre momentos de diálogo intenso. Desta vez escrevo sobre NoA, sobre serenidade, saudade e, por vezes, uma angústia que se sente enquanto tentamos relaxar no sofá.

Nada melhor que despertar para “Sete Anos ao Tabefe”. Posso dizer que o parágrafo anterior deixou de fazer sentido. Serenidade? Nada disso. Agitação e momento de colocar o gin devagar em cima da mesa. O ritmo cardíaco acelera. Como passar de “Valéria” para “Sete Anos ao Tabefe”? Simples! Basta que se deixem levar pelo disco, sem saltar nenhum dos temas. Sintam como o trio se vai tornando mais intenso. E estejam atentos ao final do tema e início do “Les Trois”. É automática a forma como os meus ouvidos despertaram. Voltei ao mundo sobre o qual escrevo. O encantamento lisboeta ficou lá atrás. Entramos numa zona mais escura, mais sombria em que me transporto rapidamente para uma casa em ruínas onde o jogo de sombras das cúpulas das árvores não me permite parar o olhar.

Saio de lá e vou para “Boas Intenções”. Sento-me e espero que o vento abrande e que a harmonia regresse, nota após nota. E fico, ali. Serenamente sentada. “Noriati” faz com que lentamente me levante e caminhe, compassadamente, para parte incerta.

“All The Things You Are” puxa-nos a sério quando a bateria nos desperta os sentidos – um acordar como eu gosto! Intenso! E a última “Miss Q Intro” leva-nos para o início da viagem. Prontos para voltar a encontrar a “Valéria”.

Um disco para se ouvir de fio a pavio, que nos permite, sem sair de casa, sentirmo-nos numa esplanada, a beber um gin, em boa companhia. A viagem não é linear e isso desperta-nos os sentidos. Que boa surpresa em plena pandemia.

Ficha Técnica

Nuno Costa | Guitarras
Óscar Graça | Piano e Teclados
André Sousa Machado | Bateria e Percussão

Image Not Found

Publicado em

Derdeba

Derdeba

Podem ouvir aqui.

Se ākāśa foi o que foi, Derdeba é isso e muito mais!

Zen Burst é o início bem definido do disco. Sentes os quatro músicos presentes num ritual.

Derdeba é, para mim, a melhor malha deste disco. Podem achar que a minha paixão pelo contrabaixo do Hernâni me torna tendenciosa. Talvez sim, talvez me torne mais atenta quando um tema começa da forma que Derdeba começa. Ritmada e demarcada. Nunca me cansarei de ouvir esta malha. O groove, o contrabaixo que se complementa na perfeição com as percussões, o saxofone que nos traz do ritual para um bar de jazz, onde bebemos uma cerveja fresca enquanto ouvimos o Lencastre a dar-nos o que de melhor tem de si. E a guitarra do Jorge Nuno? Aparece no teu ouvido direito enquanto o Lencastre se mantém no ouvido esquerdo. E quando te apercebes acabou e voltas a pôr a faixa dois a tocar porque não queres sair daquele groove (sim, ouvi esta malha cinco vezes antes de continuar a ouvir o disco). Quem me conhece e for ouvir perceberá rapidamente que Derdeba é “a minha onda”.

E depois de estar em loop decidi continuar a ouvir e segui para Air. E o nome diz tudo. Sons que se propagam no ar de quem está sentado em casa de janelas bem abertas com um dia de calor agradavelmente prazeroso. Aqui sais do bar, fintas o ritual e segues para a improvisação mais intensa. Já não gingas a anca com o groove. Talvez te sintas no ambiente intimista de uma das pequenas salas de Lisboa onde costumas ir ver uns concertos. Sais da rua e entras numa sala de espetáculos. O som deixa o exterior e sentes perfeitamente que o ar é mais pesado.

Agora deixa a sala de espetáculos e senta-te na relva. Experimenta. E ouve Interzone com a mente o mais vazia possível. Deixa que o ritual volte e envolve-te nele. Já estás na relva? Então permite-te usufruir desta faixa sem que a queiras interpretar.

“Este disco, não representando, nem buscando ilustrar o ritual do povo gnawa, traz no seu ventre esta ideia de uma certa cura através de um estado hipnótico que a música traz, tanto para os seus ouvintes como para os seus criadores”. Esta é uma parte das liner notes do disco. E sim, acredito que ao criarem este disco juntos, iniciaram uma cura. Curam as mazelas do isolamento entre partilhas sonoras distintas. Em Interzone isso é claro.

Long Walk Inside, uma espiral emergente. Linhas de saxofone que te fazem entrar nessa espiral. Quatro músicos que com uma malha me levaram para o Poço Iniciático da Quinta da Regaleira. Porquê? Talvez por a espiral onde me colocaram durante três minutos e vinte e um segundos me remeta para a mesma espiral que vejo nesse Poço.

Indagação (primeira) desconectou-me de tudo o que havia ouvido antes. Colocou-me os pés assentes na terra e a mente a procurar e descobrir sentidos. Isso é sempre bom. Procurarmos o nosso sentido dentro do disco, encontramo-nos em determinadas partes e deixamos fluir a nossa forma de sentir.

O que anda à volta mantém-nos, a nós ouvintes, despertos e mantém-os, a eles músicos, em sintonia, mesmo que à distância. O que anda no meio é distinto do que anda à volta.

Aqui a meditação e o ritual está mais presente, mesmo no meio de nós. O ritual no meio, os músicos sentimo-los espalhados de forma organizada numa sala. O Hernâni Faustino do lado esquerdo a quem se junta o Jorge Nuno e o João Sousa e o José Lencastre do lado direito. Os quatro virados para um meio comum.

São três minutos de serenidade a que podemos juntar mais três minutos de equilíbrio em Um quarto de mente. O disco tem uma dinâmica mesmo muito boa. Tanto te sentes numa dança constante, como sossegas e deixas-te ficar inerte. Simplesmente sentado.

Indagação (segunda) é feita de pequenos apontamentos, como que saltitas entre pequenos momentos, ora mais curiosos, ora mais desconcertantes. Nem dois minutos depois estás em Deep Sleep e aí o saxofone do Lencastre agarra-te. E prepara-te porque não te vai dar descanso. Queres ouvir todos os outros, mas por algum motivo não te é permitido. Ele absorve-te, liga-se a ti e mantém-te sempre à procura dele, mesmo quando está ausente.

Em Deep Awakening a respiração ganha um lugar de primazia. Torna tudo mais real, mais próximo. O respirar, leva-te até eles, e o João Sousa traz com ele o balanço, a onda, a intensidade. Acabar um disco com o som de uma inspiração profunda entre sopros dá-me, a mim, uma tremenda sensação de bem-estar.

Mais um disco filho da pandemia, criado por quatro músicos extraordinários e que reflete que entre o isolamento e a sensação de perda de uma vida que tão bem conhecíamos, podem nascer novos projetos, novas ideias, que trazem até nós a sensação de normalidade. Vão até ao bandcamp, escutem com atenção e comprem porque o disco é bom, mas bom. Com a compra terão mais duas agradáveis surpresas, mas sobre essas irei deixar-vos curiosos.

Ficha Técnica

HERNÂNI FAUSTINO | Contrabaixo, Violoncelo e Som ambiente| Bass, Cello and Soundscape
JOÃO SOUSA | Bansuri, Sitar, Djembe, Chime, Som ambiente, Pulse Tube, Shruti, Shanti, Taças e Voz | Bansuri, Sitar, Djembe, Chime, Soundscape, Pulse Tube, Shruti, Shanti, Bowls and Voice
JORGE NUNO | Guitarra eléctrica| Electric Guitar
JOSÉ LENCASTRE | Saxofones Alto e Tenor, Som ambiente | Tenor and Alto Saxophones, Soundscape

Mistura e Master | Mixed and Masterdon April 2020 by João Sousa, Arruda dos Vinhos

Instrumentos gravados pelos músicos | Instruments recorded by the musicians March 2020

Capa, foto de | Cover photo from Nuno Mangas Viegas www.facebook.com/oparaquedasdeicaro/

Image Not Found

Publicado em

The Book of Spirals

The Book of Spirals

Podem ouvir aqui.

“The Book of Spirals” conta-nos uma viagem. Viagem essa que começa de forma meio atribulada entre escadarias e vales.

Se ouvirem “swirl” com atenção perceberão o que escrevo. O piano do Rodrigo Pinheiro é indescritivelmente marcante. Ora o degrau está lá subtil e baixinho, ora se demarca entre as cordas dos outros instrumentos e a marimba do Pedro Carneiro.

Ora quem pensa que a viagem é linear, numa auto-estrada em velocidade cruzeiro, que se desengane.

É para ouvir de headphones, porque cada pormenor tem de entrar bem pelas vias auditivas até que o cérebro processe que é um quinteto e que cada um dá um pouco de si a cada nota. Viajam no mesmo carro, os cinco, mas sem um condutor. São os cinco ao volante, conduzem e deixam-se conduzir.

Anseio por ouvir a respiração de um deles. Sinto que uma respiração presente nos levaria para dentro do carro. Mas lá vão eles.

Aos sete minutos é como se o carro parasse para saírem e seguirem a pé. Seguem em marcha moderada e mostram-nos o ambiente externo que os rodeia. “Swirl” é isso mesmo! Um rodopio, um turbilhão entre o interior de um carro em andamento e uma caminhada em que nos embrenhamos numa densa e complexa teia de sons, sensações e caminhos.

E quando a viagem ainda está a começar pensamos que o destino final só pode ser brilhante. A meio de “swirl” é isso que este disco nos promete. Uma viagem com um destino absolutamente introspetivo.

Aquela marimba que nos faz sentir num cenário de suspense, o contrabaixo repentino e brusco que nos leva de um lado para o outro, o piano que nos faz querer subir a escadaria que surge inesperada no caminho, o violoncelo tão subtil que nos apazigua e a viola que nos acompanha entre diálogos nesta longa viagem cheia de curvas e contra-curvas.

Em 22 minutos, entrámos e saímos de um carro em andamento, caminhámos num bosque cerrado onde do nada surge uma escadaria e acabámos sentados, ao lado do quinteto, à espera de recuperar a respiração.

Do esperado ao inesperado, há tempo para que tudo decorra. Quando entramos em “whril” continuamos atentos à história. Que se adensa, se torna mais embrenhada, intensa e complexa. E claro que se torna mais complexa, estamos a falar de Ernesto Rodrigues, Guilherme Rodrigues, Hernâni Faustino, Rodrigo Pinheiro e Pedro Carneiro.

Continuamos num corropio, num turbilhão que se torna de tal forma intenso que para trás ficam todos os lugares por onde já tínhamos passado nesta viagem.

Entramos em novos ambientes, novos cenários, que aceleram o ritmo da respiração e nos deixam na dúvida sobre o destino para onde afinal, tão certos, caminhávamos. A viagem não é linear. E sobre isso eu já tinha avisado. E quando fazemos viagens sem destino pré-definido o prazer de acompanhar o quinteto cresce. Quantos de nós não gosta de se colocar num carro com destino incerto e ir experienciando as peripécias que o inesperado nos pode trazer.

“Twirl” é o momento em que sabemos que estamos a caminhar para o fim do disco. A forma clara com que se anuncia prepara a nossa mente para não deixar passar um único pormenor.

É incrível como nos sentimos a voltar ao início da viagem. Voltamos aos poucos à escadaria que surge escondida após pararmos o carro.

Voltamos aos momentos que nos fizeram iniciar a viagem. Deixamos o rodopio de “whirl”, esquecemo-nos que estamos em “twirl” e sentimos que voltamos onde tudo começou – “swirl”. Mas isso pensamos nós, porque aos 15 minutos temos de preparar-nos porque a viagem, que parecia estar a terminar, sofre um rodopio. E quando a viagem acaba, sentimos que afinal não estamos no ponto em que começámos.

Nem pensar!

Um disco para ouvir atentamente onde os cinco conduzem e são conduzidos e nos levam numa viagem com o tempo certo para nos perdermos entre estradas, bosques, escadarias e afins.

Ficha Técnica

Recorded on December 1st 2019 by Pedro Carneiro at Orquestra de Câmara Portuguesa, Algés, Portugal.
Mixed and mastered by Rodrigo Pinheiro.
Graphic design by Carlos Santos.
Production by Ernesto Rodrigues.

released March 27, 2020
Ernesto Rodrigues – viola
Guilherme Rodrigues – cello
Hernâni Faustino – double bass
Rodrigo Pinheiro – piano
Pedro Carneiro – marimba (with quarter tone extension)

Image Not Found

Publicado em

Telectu – Belzebu – Live at Café Oto – 2019 (Vítor Rua & Ilda Teresa Castro)

Telectu – Belzebu – Live at Café Oto – 2019 (Vítor Rua & Ilda Teresa Castro)

Demoras exatamente 17 segundos desde o início do disco para começares a abanar a cabeça num loop de eletrónicas e guitarra que te agarram com uma força que te faz sentir cada músculo do teu corpo a reagir a estímulos sonoros repetitivos, imersivos e cheios de subtilezas.

Não seria de esperar outro resultado de Telectu. Vítor Rua e Ilda Castro são uma dupla que se complementa na perfeição. E já assim era com Jorge Lima Barreto.

Vítor Rua é o denominador comum entre os Telectu, de há 37 anos, com Jorge Lima Barreto e os Telectu, agora, com Ilda Castro. Belzebu (disco editado originalmente em 1983) é aqui interpretado por Vítor Rua e Ilda Castro num diálogo tão dinâmico e intenso que a determinada altura nos transportamos para o seu universo.

Aos 6 minutos respiras. Deixas que os aplausos te transportem até Londres em 2019, mesmo que por lá não tenhas estado. E lentamente estás num novo Universo. Onde o diálogo se apazigua entre sons vibrantes e aquele drone que está sempre lá para te manter numa determinada sintonia com o que vai decorrendo ao longo do disco.

A guitarra essa… É percetível que está nas mãos e ao serviço do Vítor Rua com a mesma mestria que as eletrónicas estão nos dedos sensíveis da Ilda Castro.

Aos 12 minutos voltas a perceber que não estás na tua sala. Estás numa sala maior que a tua, em todos os sentidos.

O drone regressa para te apaziguar mas o que se segue é uma contração muscular intensa e o batimento cardíaco que volta a acelerar.

Sentado? A sério que alguém ouve este disco sentado?

Sem que tenha uma vontade indescritível de se levantar e fazer da sua sala uma sala de concertos onde, com o resto da malta, estás a usufruir de um concerto ao vivo brutal?

Questiono-me porque em 2019 não estava no Café Oto a ver isto ao vivo!

A mestria dos dois ao longo do disco é indiscutível. O disco é um crescendo. Não há um único momento em que não sintas que vai crescendo, aumentando a intensidade, os pormenores e a coerência.

Sempre que voltas aos aplauso sentes que voltas ao início do disco. Porque aquele drone… Aquele drone faz com que a tua cabeça reinicie a experiência, mas logo a seguir a experiência é nova.

E lá te leva para outro sítio onde os dois se juntam e se mantêm sintetizados, alinhados, e irreversivelmente determinados a que a experiência continue a subir de interesse.

Apuram-te os sentidos a cada minuto. Ouves, voltas a ouvir e os teus sentidos continuam a ser desafiados.

E se pensas que aos 27 minutos acabou, enganas-te. Fazes mais uma vez um reiniciar cerebral e aguardas ansiosamente pelo que aí vem.

E para mim é no minuto 28 que já não me aguento mais sentada nesta sala. Tenho que me levantar, tenho que me mexer, tenho de reagir ao que o corpo me manda fazer e libertar-me.

Em pleno momento de isolamento social este disco consegue que te sintas acompanhado. Fechas os olhos, e na tua sala, colocas este disco a tocar bem alto. Ignoras os vizinhos e uma possível vinda da polícia e curtes como se pudesses estar numa sala a ver Telectu ao vivo com toda a liberdade inerente a isso.

Porque o lugar dos Telectu no panorama musical mundial não deixa margens para dúvidas – virtuosos, escandalosamente provocadores e impactantes.

Se juntarmos a tudo isto uma edição lindíssima e cuidada temos um resultado de nos deixar à espera do próximo.

Um disco que se devora em pouco mais de trinta minutos, mas que fica em nós por tempo indeterminado!

Image Not Found
Publicado em

ākāśa

ākāśa

Podem ouvir aqui.

Em tempos de isolamento podemos à distância criar proximidade. Em tempos de isolamento, com o carregar no botão rec, podemos aproximar-nos de diferentes formas de criação.

Esse carregar no rec entre 4 pessoas originou, após um trabalho de edição e masterização do João Sousa, o álbum ākāśa.

João Sousa lançou o desafio e Hernâni Faustino, Jorge Nuno e José Lencastre juntaram-se para que em quarentena surgisse o disco que não queremos parar de ouvir.

Onze temas que nos preenchem espaço e enchem até à lua cheia.

Conexão – A palavra-chave deste disco. Conectemo-nos ao tempo, ao espaço e por vezes ao confinamento que mais que externo é interno.

ākāśa, título do disco, e primeiro tema, é um início intimista de notas subtis mas intensas que nos levam até à exteriorização de uma voz.

Talvez o meu estado de espírito (confinado e livre em simultâneo) fique claro nesta review. A música criada em isolamento aproxima-nos de pensamentos mais pessoais e de momentos e experiências que nos fazem ter presente a palavra saudade.

A velocidade de processamento entre o meu cérebro e a caneta vai aumentando ao longo do disco.

Se começo apreensiva, rapidamente me solto entre o que ouço e o que escrevo.

E gosto disso.

O tempo atual corre devagar e temos pressa que passe mais rápido. Mas este disco faz com que o tempo corra e faz-nos desejar que o tempo volte a passar mais vagarosamente.

O “espaço” (segundo tema do disco) esse é pequeno hoje em dia. Cem metros quadrados parecem-nos apenas um. Mas o “espaço” neste disco é gigante, amplo e abre-nos os pulmões para respirar sem termos de abrir a janela.

É um “espaço” em que se fecharmos os olhos não imaginamos que os músicos não estão na mesma sala. Próximos uns dos outros.

O “espaço” é um mantra. Algo que nos transcende e nos leva para a tão desejável paz interior em que a meditação e a guitarra acústica se complementam na perfeição.

Um “espaço” interessante de se cohabitar. Se existe equilíbrio entre corpo, mente, música e influências distintas é neste tema.

Do mantra a um pequeno caos vai um “pulinho”. Talvez exatamente o ponto em que muitos de nós se encontram agora. Entre inquietudes e pequenos equilíbrios. Entre ansiedades e momentos de descontração.

Imagino por momentos alguém a andar numa corda entre duas varandas de uma qualquer rua no mundo.

Entre a concentração do equilíbrio e o medo de cair.

Equilíbrio.

Desequilíbrio.

Tudo num espaço de 7 minutos em que do outro lado da corda, na outra varanda, tudo termina de forma linear. As cordas descoordenam os passos, mas o mantra mantém a sanidade.

A sério que não estão juntos na mesma sala? Este disco é a prova que a distância física é muito distinta da distância emocional.

Rapidamente entramos num “quarto crescente” que anula o que o disco nos vinha a trazer. É um “quarto crescente” de momentos em que a mente se descontrola.

Mas é na “lua cheia” que regressamos a momentos em que entre o oriente, o saxofone e a voz se procura amenizar o frenesim de um “quarto crescente”.

Claro que quando a lua míngua em “quarto minguante” talvez o nosso estado emocional nos faça querer acreditar que a seguir podemos abrir a porta e ir ver este novo projeto ao vivo.

Só faltava a “lua nova” para que as cordas do Hernâni fizessem ressoar o que de intenso ele traz a cada tema. Porque se neste disco tanto nos podemos sentir, efetivamente isolados, também nos podemos sentir sistematicamente a saltar da janela e viajar. Entre dias mais cinzentos, dias mais ensolarados.

Podemos sentir-nos numa esplanada em Lisboa e até no meio de uma multidão algures na Índia.

A música tem destas coisas.

Volto à minha sala. Ao meu papel e caneta. “Falta um passo” e cabe-nos a nós escolher qual. A mim “falta um passo” leva-me para o faltar um passo para me conseguir equilibrar. Para equilibrar emoções com realidades. Lá estão as cordas.

“Falta um passo” reflete 4 músicos numa sintonia perfeita, ritmada, demarcada – passo a passo.

Voltamos aos cem metros quadrados que parecem um em “lack of space”. Que esquizofrenia que podemos ouvir nas nossas cabeças ou na casa ao lado. Pode durar trinta e quatro segundos mas não há um dia em que um de nós não sinta emocionalmente isto: “lack of space”.

Respiremos então. Um sopro. Em “interspace” nada mais é preciso acrescentar. É deixar que o som nos entre pelos ouvidos e o escutemos com atenção. É o reencontro dos quatro.

Serena e pacificamente.

“Clouds and oceans” – o que dizer? Entre algumas nuvens e um mar, por vezes, tempestuoso vamos caminhando até eliminarmos por completo que este disco foi gravado em quarentena.

Quando ouves o disco o alinhamento faz tanto sentido que nos mexe com os sentidos.

“Lo que no esperabas” é que a guitarra acústica te pudesse fechar tão bem um disco.

Mas desengane-se quem começar a ouvir este tema e achar que não vai aparecer um saxofone a mexer-te com as entranhas. Mexe. E mexe no bom sentido. Não é dado adquirido que se mantenha o equilíbrio constante fechado em casa e este tema é isso mesmo.

Quatro músicos.
Quatro abordagens.
Quatro sítios diferentes.
Quatro.

Um disco que se ouve atentamente, que mexe com as emoções de quem se encontra em isolamento. Que traz agarrado a si a palavra saudade. Que faz com que a esperança de voltarmos a estar juntos vá e volte em cadências distintas.

Que disco! E que vontade de ver exatamente este alinhamento, mas ao vivo. Todos na mesma sala.

Ficha Técnica

HERNÂNI FAUSTINO | Contrabaixo, Violoncelo & Kalimba | Bass, Cello & Kalimba
JOÃO SOUSA | Bansuri, Flauta de harmónicos, Sitar, Djembe, Taças, Feng Gong, Shruti e Voz | Bansuri, Overtone Flute, Sitar, Djembe, Singing Bowls, Feng Gong, Shruti and Vocals
JORGE NUNO | Guitarra acústica | Acoustic Guitar
JOSÉ LENCASTRE | Saxofones Alto e Tenor, Percussão e Voz | Tenor and Alto Saxophones, Percussion and Vocals

Mixed and Masterd on March and April 2020 by João Sousa, Arruda dos Vinhos
Instruments recorded by the musicians with Phones, portable recorders or other on March 2020

Artwork by Ana Calinhos (Cali Made This) www.instagram.com/cali.made.this/
Photos by Hernâni Faustino www.instagram.com/hernanifaustino/

[Each track has its own cover photo][Cada música tem uma foto como capa]

Image Not Found

Publicado em

Live in Lisbon by Hilmar Jensson, Rafael Toral

Live in Lisbon by Hilmar Jensson, Rafael Toral

Podem ouvir aqui.

Um disco com o Rafael Toral. O que mais será preciso dizer? É simples: tal como na culinária com os ingredientes certos e uma mão experiente o resultado só pode ser saboroso.

E é exatamente esse o resultado deste duo. Saboroso!

Sensíveis ao que o outro sente, atentos ao que os move. Duas realidades distintas que se cruzam e formam um só.

Hilmar Jensson era para mim um desconhecido até ouvir este disco. E foi assim que iniciei a minha descoberta sobre o seu mundo musical. Um islandês com um som quente e modelado. Uma guitarra que nos transporta para o espaço das eletrónicas do Rafael Toral.

Uma única faixa. Quarenta e seis minutos e quarenta e seis segundos de abstração. Num dia em que as nuvens esconderam o sol, em que a lufa-lufa de quem passa nos incomoda a paz interior, nada como colocar o disco a tocar e desligarmo-nos da nossa realidade. Deixarmo-nos levar para outros sítios, outras realidades, outros cenários. E nisso o Toral é mestre. É mestre de muitas das minhas viagens tanto mentais como no papel. A facilidade de me levar até ao espaço sem precisar de fatos especiais e de seguida estar na floresta amazónica é tão grande que me faz bem aos estímulos elétricos cerebrais.

Fluo entre o sentir racional e cerebral ao sentir emocional e inexplicável.

Mais uma vez dei por mim a perguntar: “Mas por onde é que tenho andado que falho a ida a uma série de concertos em Lisboa que me iriam encher de boas energias”.

Este disco é de ter e ouvir, mas ao vivo o encanto deve ser ainda maior. Eu gosto disso. Mais que um bom disco gosto de não me desiludir quando ouço os projetos ao vivo. E uma boa gravação ao vivo tem destas coisas, traz consigo um arrependimento de ter falhado a presença.

Sou extremamente sensível a determinadas frequências altas (sons agudos) e por isso a minha, tão falada noutros textos, dificuldade em lidar com determinados instrumentos de sopro, e neste disco existe um momento que despertou esse pequeno momento de arrepio em mim. Não é um arrepio que me saiba bem mas quando acontece tenho perfeita noção que o problema sou eu e esta minha fragilidade a determinadas frequências. Não que me cause dor mas desperta em mim uma certa animosidade relativamente ao som. Decidi ir ver bem que passagem é essa e dura apenas dois segundos. Ando a treinar o ouvido para lidar melhor com frequências altas e a cada dia que passa reajo melhor a isso. E quando dou por isso já vou nos trinta e dois minutos e o disco aproxima-se demasiado rápido do fim.

Uma viagem intensa entre o racional e o espiritual, entre o espaço e a Terra, num jogo de perceções que nos aguça os sentidos e nos faz querer fazer parte desse universo tão vasto que se criou entre Portugal e a Islândia.

Image Not Found

Publicado em Deixe um comentário

Robin Fox | Double Blind

Robin Fox | Double Blind

Podem ouvir aqui.

O disco Double Blind do Robin Fox é simplesmente PERFEITO!

Criado para a coreógrafa Stephanie Lake é parte integrante um trabalho de dança contemporânea com o mesmo título.

Podes acompanhar o trabalho da coreógrafa aqui. É simplesmente fabuloso!

Foi a partir de uma das faixas deste disco – Aftermath – que escrevi o conto “A morte silenciosa de uma queda” para a rubrica “Quem escreve um solo acrescenta-lhe um conto”.

Desde que ouvi o disco pela primeira vez que a minha mente ficou efusivamente ativa. Este disco fala comigo e é um dos meus discos de eleição enquanto desenvolvo novos projetos e ideias.

Agora vai ouvi-lo enquanto lês o que escrevo. Sente o ambiente, imagina um espaço em que todos os sons coexistem harmoniosamente e respira. Não! Isto não é uma aula de ioga! É apenas uma das formas de ouvir este disco, de o sentir. Onze minutos de puro prazer.

Mas prepara-te para perderes a paz que tinhas acabado de encontrar assim que o teu cérebro começa a ficar confuso. Um loop de metrónomos que insistem em relembrar-te que Freudian March está prestes a terminar.

Experiment é uma composição genial. Cheio de pequenos detalhes que nos faz entrar numa maratona de atividade cerebral.

Para mim Aftermath é A faixa! Fala com todas as partes da minha criatividade. Palavras, imagens, sentidos estão todos em sentido de alerta.

Segundo após segundo, sinto-o com uma profundidade imensa. Não consigo explicar o porquê de esta faixa despertar em mim a vontade imensa de escrever mas há algo de realmente espetacular neste som. Possivelmente é a simplicidade presente nestes três minutos que a torna tão intensa.

Se aquilo que procuras é perceber o trabalho do Robin Fox então este disco não é para ti. Existem projetos e trabalhos que não são feitos para entender. Ouve-o, vê uma instalação ao vivo se tiveres oportunidade, e não penses muito. Deixa apenas fluir como tão bem acontece na Labyrinth Duet.

22nd Century Funk é o final perfeito para Double Blind. Um disco cheio de ambientes que fazem a nossa viagem pelo noise uma verdadeira explosão para os nosso sentidos.

E quando pensas que acabou, carrega no play outra vez. Põe o volume no máximo. Não te vais arrepender.

A tua dopamina vai subir! Disso tenho a certeza!

Image Not Found

Publicado em

Dafna Naphtali and Hans Tammen – Mechanique​(​s) Fenestrae

Dafna Naphtali and Hans Tammen – Mechanique​(​s) Fenestrae

Dafna Naphtali and Hans Tammen – Mechanique​(​s) Fenestrae

Podem ouvir aqui..

Edição | 2019

Editora | Nachtstück Records

Fenestrae leva-me rapidamente para um cenário profundamente dark. Mas é a subjetividade de interpretações que faz deste disco um dos meus discos de eleição para 2019.

Os vocalizes levam-me até um submundo intimista e avassalador.

E quando o ouves na tua sala e isso faz com que a tua filha de ano e meio deseje muito pintar é sinal que algo neste disco despertou nela a vontade de fazer o que vê a mãe fazer. O resultado é muito melhor que o meu (imagem no fim do texto). É o mais genuíno e puro que se pode ter. Este disco fala com os meus sentidos, e falou com os dela, e desde o primeiro minuto que o ouvi que quis escrever sobre ele.

A segunda faixa leva-me por breves momentos até à espiritualidade mas rapidamente me perco em corredores labirínticos numa cave claustrofóbica onde se perpetuam jogos de poder e submissão.

Os cenários são tantos e tão variados que se impõe respirar entre faixas para que se possa voltar a acalmar a mente.

Rico e apurado. Sujo e imoral. Podia continuar a descrever o que ouço assim. De duas em duas palavras.

As sensações misturam-se tão rápido como as tintas na tela e no pincel que a minha filha tem nas mãos. Não há um único momento que nos faça parar a mente. É um jogo. Um jogo em que somos os peões dos nossos sentidos.

E se durante quase uma hora é fácil entrar em modo de hipnose, o difícil é não querer voltar a ouvir o disco de uma ponta à outra.

Foi gravado em 2009, em Nova Iorque, e lançado em fevereiro deste ano e valeram os dez anos de espera. Cada ano, cada mês e cada dia!

É um turbilhão que nos põe os neurónios meio baralhados e que momento após momento nos envolve de forma cada vez mais profunda no mundo de Dafna Naphtali e Hans Tammen.

E é na faixa três que o pincel corre mais rápido nas mãos da minha filha e que a mistura de cores se torna caótica.

Mas é na agitação dos quase nove minutos da faixa seis que o clímax do disco acontece. A Dafna Naphtali torna-se com este disco um membro sonoro da família.

São nove faixas, quase uma hora, de um disco… Brutal!

E sim… Os gostos discutem-se!

Créditos

Dafna Naphtali – live sound processing & voice

Hans Tammen – endangered guitar

Cor do Som

Pinturas enquanto ouvia o disco

Image Not Found
Pure and Genuine | Painting by Pandora Leiria
Publicado em

The Selva | Canícula Rosa

The Selva | Canícula Rosa

Podem ouvir aqui.

Editora | Clean Feed

Que os The Selva têm de ser presença nos ouvidos de qualquer um de nós, não é novidade. Novidade é este ser, sem margem para dúvidas, o melhor disco do trio.

Dos primeiros aos últimos segundos não há um único momento que nos deixe desiludidos.

Não há como resistir ao violoncelo do Ricardo Jacinto que entra de fininho em Tiki Prussia num loop que nos abstrai de qualquer distração. A bateria do Nuno Morão que entra tão sorrateiramente que quando damos por ela já está embrenhada no violoncelo. E claro está que o contrabaixo do Gonçalo Almeida está lá ao fundo tão presente e tão natural que nos baralha os sentidos.

É um vício. De tal forma um vício que mesmo quando queremos deixar de consumir o ouvido não permite, por algum tempo, que larguemos Canícula Rosa em prol de outros sons.

São viciantes, subtis, perfeitos. Se há relação a três que nos desperta os sentidos, é esta! Mas com músicos assim não seria de esperar outra coisa.

Poderia alongar-me em tremendos elogios, mas neste caso ouvir e escrever ao mesmo tempo tolda-me o pensamento porque há discos que não precisam de palavras mas sim de ouvidos. Ouvidos predispostos a aceitar que há coisas que nos ultrapassam e trespassam.

Urdi Verdoso fez-me viajar. Há quem pense que é fácil construir histórias de forma automática ao som de uma música. Mas desenganem-se aqueles que pensam assim. Para que a escrita flua, para que o imaginário fuja a uma velocidade alucinante é mesmo preciso que o som que nos penetra a mente seja fluído, cheio de pormenores, recheado de pequenas surpresas e revigorante para que deixemos a mão escorregar no papel numa enxurrada de letras, frases, parágrafos, em que por vezes alcançamos páginas de pequenas histórias para onde o som nos levou.

Este é o disco que me apetece textualizar num guião para uma curta-metragem. Os ambientes mudam, as personagens também. Pode ser que se torne no meu próximo desafio.

Da criança irrequieta ao esquizofrénico do andar de cima, há espaço para todos. Todos cabem no universo deste disco. Quando dás por ti vais a meio do disco. Nem sabes muito bem como, nem porquê mas já lá estás. Como posso fazer-te sentir o disco que ainda não ouviste? Então aqui vai. Quando o teu vizinho esquizofrénico te foi acordar deste por ti a procurar um equilíbrio com laivos orientais. Curioso? Pois… É ir ouvir que vais perceber.

Manimal Cerúleo é o tema que elegi como uma das minhas faixas do ano em que por mais que a oiça me diz sempre algo de novo.

Este disco é, sem dúvida, a minha escolha para os próximos meses. É um disco seguro, daqueles que se me perder no que me apetece ouvir é só ir buscar e pôr a tocar que as dúvidas se dissipam.

Um disco seguro é igual a dizer que é um disco em cheio! Recomendo vivamente que o oiçam, que o apreciem. Que o oiçam em casa, no carro, enquanto fazem sexo, e nos momentos mais estranhos ou normais do vosso dia!

Ide ouvir!

Créditos

RICARDO JACINTO – CELLO
GONÇALO ALMEIDA – DOUBLEBASS
NUNO MORÃO – DRUMS

All music by THE SELVA Edited by CLEAN FEED (CF 518)

released March 6, 2019

Recorded by The Selva between 08-12 January 2018 at GNRATION, Braga Mixed by Nuno Fernandes at LAVA Studio Mastered by Nuno Morão at FISGAstudio/ScratchBuilt, Lisboa Photo by Adriano Ferreira Borges / gnration Artwork by Rita Thomaz Design by Travassos

Produced by The Selva and OSSO Collective Executive production by Pedro Costa for Trem Azul, 2019

Special thanks to Luis Fernandes, João Coutada, Adriano Ferreira Borges and Rita Thomaz.

www.osso.pt

Image Not Found