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Anima Space by 9VoltDisaster

Anima Space by 9VoltDisaster

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Para quem não conhece o Rafael Diogo este é um excelente disco para iniciarem a demanda pelo seu trabalho.

Repetitivo e por vezes minimal, assim é a incursão neste Anima Space. Rafael, ou mais concretamente 9VoltDisaster, procura captar o momento, o seu espaço e tempo. Compositor da e com a natureza, os seus field recordings tornam este disco um turbilhão de sensações, de intensidades, de buscas intermináveis pelo cenário ideal.

Anima Space são histórias, umas mais curtas, outras mais longas, com lugares comuns e outros em extremidades opostas. Histórias desenhadas num espaço e tempo próprios da linguagem do seu compositor. Um disco de sementes em processo de germinação. Rafael leva-nos da dança da cidade ao sossego rural em 8 temas fascinantes.

Para ouvir em sintonia com o meio que nos rodeia. 9VoltDisaster ─ é este o nome a reter.

(Liner Notes publicadas com o disco a 10 de abril de 2021)

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Suicide Underground Orchid by Ikizukuri + Susana Santos Silva

Suicide Underground Orchid by Ikizukuri + Susana Santos Silva

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“Born and grown in the underground ─ these are the main characteristics of the rare Suicide Underground Orchid, just like this recording. Ikizukuri brings, in this new record, multi ambiences: improvisation, free jazz, rock and metal. Susana Santos Silva is a new nutrient that feeds and develops the potential of this Suicide Underground Orchid.

It was the summer of 2020 when, at Sonoscopia, Porto, Ikizukuri and Susana Santos Silva happened to cross paths. Yes, that’s right. We wrote the forbidden number ─ 2020.

It is wrong to think that in 2020 we only witnessed global chaos. From a fortuitous encounter a record was born. They have a fluid dialogue, their own language, a sound that will wake up our senses in 2021.

Sit down and let yourself be destabilized. Disconnected from everything and reconnected to the roots. So, this story begins. It is full of sounds and places.

From Kindhearted Part Wrestle to The and Flesh His Resources you are in airplane mode. Disconnected from the here and now. Reconnected to the essential – the root. It is at the root that you feel the guttural seething, the story unfolding. In Wealth, to the Poison in the Wash you know that you will have no escape. Decadent and bohemian, angelic and pure this orchid is as rare as the story that is told here.

Scenes of chaos and harmony are draw, where small beings cohabit and enter through our ears and hold us hostage to the sound. We do not turn it off, do not press the forward button, do not expect that the journey will end quickly. We just sit and listen Gabriel’s saxophone, Almeida’s bass, and Costa’s drums. Susana’s trumpet is immersed in what we know from Ikizukuri ─ powerful and flawless music.

Susana Santos Silva has a remarkable career as an improvisation musician and her trumpet fits and flows with the trio along the six tracks. Susana brings her own touch, her own sensibility to this Suicidal Underground Orchid.

Six tracks, four musicians, one session. It didn’t take anything else to make it work. This record is as rare as like a Suicide Underground Orchid”.

(Liner Notes publicadas com o disco a 02 de abril de 2021)

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Monólogos a Dois | Gonçalo Almeida

Monólogos a Dois | Gonçalo Almeida

Podem ouvir e comprar aqui.

Monólogos a Dois é o novo disco a solo do contrabaixista Gonçalo Almeida. Um LP (100 exemplares) editado pela New Wave of Jazz. Partindo do pressuposto que um monólogo é um exercício, por exemplo em teatro, difícil de executar de forma genial, o Gonçalo faz com este monólogo seja fluído, que nos agarre e que escutemos com atenção tudo o que ele tem para nos dizer. É um monólogo que vira diálogo a determinado ponto. O ressoar do corpo do contrabaixo dialoga com ele e connosco.

Um solo de contrabaixo é um desafio. Para ele e para quem o ouve. Não é o instrumento mais fácil de trabalhar a solo. Mas quem tem mão para o dominar obtém resultados como este Monólogos a Dois.

Aos 3 minutos e meio do primeiro tema já me agarrou quando comecei a ouvir ao fundo a subtileza da sua respiração. A agressividade e determinação do arco nas cordas. A história deste monólogo começa a compor-se. Inspira e reencontra-se num ambiente mais calmo e ponderado. E ainda só vamos nos 4 minutos e poucos segundos do primeiro tema. Este tema é o mais longo do disco, aquele em que rapidamente nos é apresentado o melhor do Almeida. Quem acompanha o seu percurso perceberá rapidamente que este solo só podia sair das mãos dele. Algo de muito próprio, que nos leva do ambiente mais apaziguador ao rock numa cave algures entre Lisboa e Budapeste.

O Gonçalo sempre me inspirou a construir narrativas, tanto nos seus discos como nos seus concertos ao vivo. A sua presença complementa o que compõe e executa. No segundo tema já tenho dois personagens e um enredo. Já escrevi um conto com um solo dele (que foi publicado no DizSonâncias há algum tempo), mas este monólogo tem pano para mangas.

O segundo tema leva-nos por pequenos trilhos. São pouco mais de dois minutos, mas sabemos que os trilhos nos levarão a um lugar que não nos irá desiludir.

Rapidamente passo do tema 3 para o 4, talvez pela pressa de perceber o que mais irá acontecer. Tenho vontade de poder escolher o que vai acontecer quando no fim daquele minuto e trinta se ouve aquele estalar. Sim, o Gonçalo consegue aguçar-nos o imaginário e a mente, agarra-nos pelos sentidos.

Talvez por andar mais sensível comece por me emocionar no tema 4. Os graves do contrabaixo, a respiração do Gonçalo, a rispidez e intensidade do que ouço levam-me até sítios menos sorridentes. Trazem até mim a melancolia e a tristeza. E isso não tem absolutamente mal nenhum, pelo contrário. Sentir. É assim que vivo a música. Esta relação empática e visceral que tenho com a música faz com que a cada disco e a cada concerto me deixe levar num turbilhão de emoções e sensações.

Ainda nem vou a meio do disco e já sorri, respirei fundo, chorei, parei, voltei e continuei. No tema 6 consigo finalmente recompor-me. Aqui começa, para mim, o diálogo mais efusivo entre instrumento e músico.

Chegámos a meio do disco, num crescendo contínuo. Anseio que a viagem dure, mas a curiosidade por descobrir como acaba deixa-me irrequieta. A respiração do Gonçalo volta a remeter-me para o quanto o contrabaixo é um instrumento físico, possante, desafiante e encantador. Sim, assumo, sou e serei sempre uma apaixonada pelo contrabaixo.

Entre o tema 7 e o 8 percebemos que o caminho se constrói de pequenos e subtis apontamentos, de deixar o som perdurar no tempo e no espaço. Deixar que flua e ecoe.

Gosto sempre quando um tema me traz sons que associo a quando era criança. No meu imaginário o subir e descer uma escada está presente no tema 9. Era assim que as histórias se construíam na minha mente em criança e que faz com que ainda hoje as escadas sejam um tema recorrente nos meus contos. Isso e a água que corre sempre perto dessas escadas.

Volto à idade adulta logo a seguir. Mantenho a respiração acelerada. Retira-me o fôlego durante 3 minutos e 16. Sim, ele consegue fazer-nos isso. Dúvidas? É ir ouvir.

É nos temas como o décimo primeiro que considero que o Gonçalo é inigualável. O ambiente mais pesado e intenso, os graves vincados e constantes. É exatamente nesse registo que o seu monólogo se intensifica, que tudo se torna mais visual. É quando com enorme facilidade se desenham cenários, numa iluminação quente em fundo negro.

E este é, para mim, O tema deste LP. É tudo o que eu esperava numa malha só. E se o disco já me fez ganhar a noite, este tema já me fez ganhar o início atribulado de 2021. É por temas como este que não se quer perder um gig do Gonçalo quando vem até Portugal (e infelizmente eu tenho perdido muitos).

Num minuto e cinquenta e nove segundos fechamos o Monólogo a Dois. Que disco tão bem conseguido!

Para mim estará nas listas dos melhores de 2021 e ainda agora o ano começou. O trabalho do Gonçalo fascina-me e deixa-me sempre expectante com o que ele irá editar e apresentar a seguir.

Ficha Técnica

Released January 21, 2021

Gonçalo Almeida – Doublebass

Performed & recorded at the Old Church in Oud-Charlois, Rotterdam (The Netherlands) on 11th July 2020.

All music by Gonçalo Almeida.

Recorded & mixed by Gonçalo Almeida.

Mastered at the Sunny Side Inc. Studio, Anderlecht (Belgium).

Gonçalo would like to thank Jaap van Gils, Oud-Charlois Kerk and Dirk Serries.

Sleeve notes : Guy Peters.

Layout : Rutger Zuydervelt

Edition of 100.

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S ERAS by DJ盲目

S ERAS by DJ盲目

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S ERAS é uma viagem no tempo que tem como cicerone DJ盲目. Um disco que é uma analepse esquizofrenica e pulsante e que nos entra pelos ouvidos no caos de 2020. O noise do DJ盲目 é inconfundível. Demarcado, possante e bem delineado.

São três temas numa viagem curta, mas intensa. Sentados numa sala escura deixamos que o disco nos indique o caminho, que o ouvido se deixe levar e é nesse momento que os graves se tornam viscerais.

Aguça-nos a vontade de ir até Tóquio para que possamos entender mais intrinsecamente o terceiro tema do disco. DJ盲目 cega-nos com o seu noise e faz com que os outros sentidos se apurem, numa audição atenta e arrepiante.

Este disco deverá tocar à meia-noite em ponto, na centésima oitava badalada de dia 31 de Dezembro, porque entrar assim em 2021 é meio caminho andado para entrar no ano em grande.

Desengane-se quem pensa que com noise não se dança…

(Liner Notes publicadas com o disco a 31 de dezembro de 2020)

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Referência: 001 | Livro

Orfeu e os seus avôs em busca do Tósão (1ª Edição)

Referência: 001 | Livro

40,00€ (portes incluídos para Portugal)

Texto: Margarida Azevedo

Design e Imagens: Ricardo Leiria

ESGOTADO

Crítica de Ricardo Nunes ao livro

No ano de 1995, andava eu na universidade, foi publicado ‘O amor é fodido’, do Miguel Esteves Cardoso. O gajo estava na moda. Não me lembro do enredo, mas aquilo eram palavrões em catadupa e eu achei o livro fantástico. Há alguns anos, encontrei o título numa livraria e abri-o por nostalgia. As poucas frases que li não me prenderam e as asneiras pareceram-me completamente gratuitas.

Em ‘Orfeu e os seus avôs em busca do Tósão’, os impropérios não são gratuitos. Por um lado, se eu, ou vocês, tivéssemos que contar as desventuras de um homossexual obeso, cujos avós partilham a mesma orientação sexual e com quem descobre ter partilhado um amante, que tem uma irmã satânica e uma avó que usa expressões como ‘levar no cu’ e ‘esgalhar o pessegueiro’, e que perde ambos os avós e um querido avôdrasto-psicólogo-amante no hiato de três semanas, também teríamos que encher o livro de palavras de má índole.

Por outro lado, e isto provavelmente anula tudo o que escrevi até aqui, neste parágrafo, a Margarida não usou assim tantos palavrões (será que usou mesmo algum?), de onde se tira que lhe são caros e, muito naturalmente, ninguém está para oferecer o que é caro. O livro, além da história que lá vem, é um cabaz de ofertas. São cinquentas e poucas páginas de papel muito grosso, no meio das quais, vêm várias fotografias de obscenidades disfarçadas. No pacote (e isto não é uma alusão ao personagem principal), vêm ainda um crachat, uma carta da autora, um pin, um saquinho todo catita e uma lâmina de barbear, colada com lacre encarnado a um envelope preto (ganda pinta!). O conto encaixa bem nisto tudo. Lê-se de um trago. Está cheio de lugares comuns e de exageros que, individualmente poderiam parecer rebuscados, mas que no conjunto são coerentes e equilibrados.

Relata-se uma existência exagerada com um exagero de palavras e expressões que lhe conferem credibilidade. O Orfeu é mesmo assim. Ao Orfeu-personagem acontece mesmo tudo. É um exagero. E, daí, ser proporcional que o Orfeu-texto contenha um desfile de provocadores atos, gestos e revelações. Exageradamente, pois claro. Daqui a 25 anos, quando estiver a vaguear pela última livraria de rua, e bater com os olhos neste título, vou abri-lo por nostalgia. Não sei se alguma frase me prenderá então. Nem se a provocação me parecerá gratuita. Enfim, sei. “Eu, Orfeu, tenho uma verruga na ponta da pila!” é incontornável e vai ser sempre a fonte de uma gargalhada!”

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Vento | José Lencastre, Hernâni Faustino e Vasco Furtado

Vento | José Lencastre, Hernâni Faustino e Vasco Furtado

Podem ouvir aqui.

A Phonogram Unit apareceu e com ela o primeiro disco da editora intitulado Vento. Para quem conhece o José Lencastre, o Hernâni Faustino e o Vasco Furtado, só podia esperar que este disco fosse bom. Para quem não conhece se o ouvir rapidamente quererá acompanhar os seus percursos. Here we go é isso mesmo: um começo empolgante que nos leva até Abstração em que nos deixamos guiar pelo saxofone do Lencastre entre pequenos desvios que se cruzam no nosso caminho. O contrabaixo do Hernâni e os apontamentos do Vasco tornam este tema um excelente candidato a banda sonora de um filme de suspense. Em Test Drive podíamos dizer que cada um vai ao volante em momentos distintos. Sentem-se e ouçam com atenção porque, tal como num carro, os três conduzem de formas diferentes. Ouçam-na três vezes consecutivas e mantenham a atenção em cada músico à vez.

Lencastre com linhas curtas e coesas, Hernâni rápido e cheio de curvas e contracurvas e o Vasco ritmado e de pé metido na embraiagem, sempre pronto a pôr uma acima. Aos nove minutos mudamos de cenário, passamos para pista molhada, escorregadia em que vamos com cuidado até chegarmos destino. Keep Going que para a frente é que é caminho. Mantém-nos na viagem onde esperamos que ao avançar cheguemos a novos caminhos sonoros: Ruína. Neste tema o Vasco, o Hernâni e uma respiração inicial que quase passa despercebida fazem que seja o meu tema de eleição.

Gosto da subtileza, do ruído, do sopro do Lencastre, da envolvência. Traz consigo o frio de qualquer ruína com que nos cruzemos em Sintra. Imagino o anfiteatro da Quinta da Regaleira envolto neste som. Intimo e leve numa noite de brisa gelada em Sintra. Ruína é a queda num momento pacifico e que nos permite assimilar o disco de outra forma. Vento é um sopro constante. O tema que intitula o disco é a forma certa de o fechar. Pequenos saltos de um lado para o outro até ao fim. Curto e grosso!

Nota: Review publicada no zine Mecónio#1 juntamente com o texto escrito durante o concerto de apresentação da Editora Phonogram Unit, na SMUP (podem adquirir o zine por email para (darkowl.shop@gmail.com)

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João Cabrita | Limited Edition Double Vinyl

João Cabrita | Limited Edition Double Vinyl

Podem ouvir aqui.

Cabrita é doce, é quente, é swing e groove. Sim, Cabrita é isso tudo! E para as mentes que divagaram informo que me refiro ao disco. Quanto ao João irei ficar a saber mais, dia 7 de novembro, em direto no Covidarte.

Entramos em Whatever Blues com o João e o Gui (Xutos e Pontapés) num groove daqueles que nos faz mexer as ancas compulsivamente até aos três minutos e vinte e três segundos em que da anca passamos a abanar a cabeça e voltamos rapidamente ao swing, à sensação de quão sexy uma música pode ser. É impossível não mordiscar o lábio.

Ivo Costa (colabora com Cais Sodré Funk Connection) entra em Snake Eyes para dar continuidade à onda. Que bem que se entra neste disco. É daqueles que te faz querer entrar já num spot e ver Cabrita ao vivo.

E sabes que passaste para a malha Afronauts Lament quando o piano do João Gomes (Orelha Negra) marca presença. É inconfundível. E só David Pessoa (Cais Sodré Funk Connection) e Hélio Morais (PAUS e Linda Martini) podiam entrar neste tema. Faz sentido, flui e a linguagem é a mesma. Já dizia o Rui Veloso que “não se ama alguém que não ouve a mesma canção”. Esta teoria deve ser aplicável à química de quem se une para criar. Afronauts Lament tem um lado mais cósmico, que a mim me leva, por incrível que pareça, até Daft Punk. Em Caravan com Legendary Tigerman percebe-se bem como o Cabrita e o Furtado se entendem e deixam fluir. Estamos quase a meio do disco e ainda não parámos de gingar.

“Quem diz a verdade não merece castigo” por isso aqui vai: Dancing with Bullets com o Tó Trips é a minha malha de eleição. Aquele ambiente boémio que tão bem me enche o ouvido. Ora que a melodia quente do saxofone se alia à inconfundível guitarra do Tó Trips com um toque à Tarantino e Coltrane à mistura.

Desesperado com Sandra Baptista e João Marques (Sitiados) é um tema guiado pela batida constante e enternecedora. É uma malha com um crescendo de intensidade. Crescemos com o passar dos segundos. É daquelas que faz o Aguardela sorrir lá de cima com este encontro entre excelentes músicos. Pelo que tenho acompanhado do Cabrita: acredito que guarda boas memórias do tempo dos Sitiados e esta malha é um reencontro muito bem conseguido. Segue-se SOS. Cabrita apazigua-nos e deixa-nos contemplar o que faz sozinho.

Cada convidado traz a sua vibe o que torna cada malha um cruzamento de universos que se complementam. Cabrita traz até este disco a sua incontornável presença no circuito musical português.

Continuo para We Andrea com Selma Uamusse e Sam The Kid. Selma disse ao Diário de Notícias a 11 de agosto deste ano, sobre o confinamento e a sua primeira live online: “Pensei em deixar a música e voltar a ser engenheira”. Ora que o confinamento nos fez pensar muita coisa, mas artistas como a Selma têm um power daqueles. E mais à frente neste texto vamos ver como a quarentena foi bem aproveitada pelo Cabrita. Tenho um respeito muito grande pelo Sam. Entrevistei-o no Sudoeste há alguns anos e, desde aí, que vejo o trabalho dele de forma complexa, elaborada com um conhecimento aprofundado, um homem muito inteligente e um artista de referência. Cabrita, Selma e Sam são um trio bem esgalhado.

Milton Gulli (Cacique 97) entra em Farai com muito funk e reggae alarga o espectro do disco. Mostra-nos os vários universos onde Cabrita se move há tantos anos.

Para fechar o disco temos Never Gonna Give It Up. Terminamos em êxtase. Um disco que nos leva na viagem pelas experiências e influências do João Cabrita. As viagens do seu saxofone em 10 malhas que refletem o seu percurso: Sitiados, Cacique 97, Cool Hipnoise, Cais Sodré Funk Connection, Legendary Tigerman. São 30 anos destas andanças que culminam com Cabrita.

Sim, quero o vinyl. E porquê? Porque além de adorar vinyl e este disco ser altamente, essa edição traz um 10” com as Quarantine Sessions! E falemos dessas sessões que podem ouvir aqui.

Passemos a este disco. A quarentena do João Cabrita foi uma animação. E daí resultou este disco. Ora se há vizinhos que se queixam do barulho que os músicos fazem em isolamento, outros devem sentir-se uns sortudos. Se estas sessões resultam do seu isolamento, não me importava de viver no mesmo prédio que ele. No meu prédio, o mais perto que tenho de artista é o meu vizinho de cima que no auge da sua loucura passa o tempo a gritar com a mãe. Se o fizesse ritmadamente ainda o gravava e samplava, que até no meio da gritaria podemos criar música. É só deixar o ouvido disponível e dar asas à criatividade.

Mas vamos ao que interessa. Da primeira à terceira malha viajo, mas é em Little Big Apple que me apetece dar um passinho de dança pelos anos 20 com um colar de pérolas e uma pena na cabeça. João, diz-me como durante a quarentena a tua vibe foi tão bem disposta? Consigo imaginar o caos Covid lá fora e o Cabrita confortavelmente a gravar malha bem disposta, que nos leva para salões de dança e cigarrilhas. E isso é bom!

Isolation Blues é o continuar da sua história. Ora se por um lado o país fechava, Cabrita abria-nos a sua porta de casa. Como? Neste disco. E que casa tão bem composta.

Fado Cansado ao Amanhecer leva-me até Dead Combo e o encanto que o fado traz, naturalmente, aos nossos ouvidos. Malha que contrasta com todo o disco. Aqui ficamos melancólicos, saudosistas, como só o fado nos faz sentir.

Oiço Marchinha de Santo André e Sunset Delight, mas porra (e desculpem-me o termo) é em Animal de Palco que me cai o queixo. A MALHA!!! Para mim, claro! A onda, a voz, o texto! “Eu sou da rua, a rua que agora se tornou a selva em que podes morrer por um espirro… Uma gotícula que te pode encher ou esvaziar o copo da vida… Está aberta a caça ao animal de palco”. Consigo imaginar isto nas mão de um Luxúria Canibal mas SILK (Cais Sodré Funk Connection) tem uma voz que me arrepia. A dição, o timbre, a sensualidade. E o texto? Altamente!

E assim fecho o que ouço: Parabéns Cabrita! E sim, és animal de palco!

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West | Paulo Vicente

West | Paulo Vicente

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West é um disco fenomenal. É impossível não ficarmos imersos no mundo e na visão do Paulo Vicente. Kings Park mostra-nos que nem só de passarinhos vive o Homem. Entras numa viagem pelo Oeste onde o corpo deixa de ser comandado por ti. Há um estímulo que nos faz querer dançar, mexer, respirar, fechar os olhos e deixar fluir. Entra-nos no sangue, percorre-nos, completa-nos. É excitante, sensual e contagiante. Quando o minimal repetitivo é tão bem trabalhado ─ queres ficar ali, naquele ambiente, sem arredar pé.

Library at home é mais um espaço simples, de contornos que me levam até à infância. A um conto ritmado que ouves ser lido por uma voz quente. Magic Fruits levam-me para o vento do oeste onde caminhas com passo conciso entre universos paralelos. Ai, Paulo Vicente! Que disco tão bom!

Entre May e São Martinho Tapes os ambientes mudam como quando assistes ao pôr do sol sozinho em que o momento apesar de curto é prazeroso e intenso. Um fim de tarde outonal em que o ambiente é, claramente, apaziguador.

O disco fecha com Idyllic Moments e ficas em ânsias para o voltar a ouvir de fio a pavio. Termina com o tema mais longo e nunca tens vontade de carregar no stop.

Soberbo!

O Paulo traz neste disco tudo e nada. Tudo o que precisamos, nada de supérfluo. É um dos meus discos de 2020. Sem qualquer margem para dúvidas.

Nota: Review publicada no zine Mecónio#1 juntamente com entrevista ao Paulo Vicente (podem adquirir o zine por email para darkowl.shop@gmail.com)

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Oni | Roji

Oni | Roji

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Ou é, ou não é! Estranho seria se não fosse. Oni encaixa nos meus ouvidos no primeiro segundo. Entra de rompante, deixa-me rendida e faz-me automaticamente relembrar como é ouvir um disco em que Almeida e Schneider se encontram. Intenso desde o primeiro momento. Rock, jazz, improvisação. Chega-nos tudo de uma assentada só. Voice conta com Riccardo Marogna como convidado. Assumo que não o conheço, poderia aqui fazer bluff e dizer-vos toda a biografia dele e os seus projetos. Não o farei. Façam como eu e visitem o site dele. Maravilhem-se senhoras e senhores. Quem acompanha o que escrevo já sabe: despejar biografias não é comigo. Deixo-vos parte do trabalho de casa feito e aconselho a que aprofundem conhecimento sobre o seu trabalho. É bom, mas bom.

Voltando ao tema Voice. Muitos dirão que é uma chinfrineira, mas não é. Pelo menos para os meus ouvidos. Este disco chegou-me com uma nota: “sabendo que gostas de um som com algum peso”. E não podia estar mais bem anotado. Este som cai-me que nem uma luva. Ouvi-o de fio a pavio. Sem me levantar, sem arredar pé, sem sequer me lembrar de desinfetar as mãos. Transportei-me automaticamente para uma sala de espetáculos onde, sentada de cerveja na mão, saco do meu caderno e escrevo um conto daqueles de jorro quando a música me proporciona tal estado de espírito. Isto é como no sexo, ou vai ou racha. Mas sobre sexo e música irei escrever brevemente.

O exercício hoje não é esse (apesar de saber que irei fazê-lo). Hoje é deixar-vos com sensações e impressões sobre o que excelentes músicos fazem de forma incrível. Passei a Pretense com Giovanni di Domenico no piano, teclas e eletrónicas. E entrei numa autoestrada. Sempre a abrir, com a visão a afunilar e os ouvidos a expandir. Ora se até aqui vim sempre em quinta em The Presence desacelero e meto uma abaixo por pouco tempo porque em milésimas de segundo volto ao registo que tanto gosto. Um minuto e dezasseis segundos em que Almeida e Schneider me levam até às noites de metal em Cacilhas. Na verdade levam-me até uma matiné de metal, que se passou há alguns anos, a um domingo. Bela tarde, essa.

Expulsion e o Riccardo Marogna volta à carga. Chiça, que isto em trio tem ainda mais power. Ora se até aqui eu já me mantinha atenta, a partir daqui só fico mais curiosa com o que aí vem. Alimenta-me a curiosidade de chegar a Oni, malha que intitula o disco.

Clash foi o tema que escolhi para passar no podcast do DizSonâncias (podem ouvir aqui no site). É O tema. Se estivesse no comboio a ir para o trabalho, e conhecendo-me de ginjeira, era Clash em modo repeat (assumo que esta malha está para mim como Asmodea dos Albatre) – Brutal!

Breakpoint abre-nos a cortina para Oni. Voltamos a ter a presença de Giovanni di Domenico. Fechamos o disco com Oni e com vontade de ouvir mais. Não digo com isto que é um disco curto, simplesmente ouvia mais e mais de seguida. Enche-me as medidas, encaixa em mim e nos meus ouvidos.

Acompanhem os projetos de cada um destes músicos e perceberão como tudo faz sentido, como são muito, mas muito bons e como é sempre um prazer ouvir e usufruir da sua música.

Oni é um discaço que deveria entrar pelas casas da malta à descarada! É ouvir e adquirir no bandcamp. Agora, se me permitem, vou voltar à faixa 1, reouvir e parar de escrever.

Ficha Técnica

released September 7, 2020

Gonçalo Almeida – Bass, loops & electronics
Jörg A. Schneider – Drums *
Riccardo Marogna – Bass clarinet, tenor sax & electronics **
Giovanni di Domenico – Piano, keyboards & electronics

Mixed by Ralf J.Rock at Loundry Room, Hückelhoven
Mastered by Marlon Wolterink at White Noise Studio, Winterswijk
Photo by Pedro dos Reis

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New Order World by Hzk

New Order World by Hzk

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Para quem não conhece Hzk este é o disco certo para clicarem no play.

Impossível ouvi-lo baixinho! Noise em que as ondas elétricas do nosso cérebro ficam automaticamente conectadas com New Order World. Sim, é a isso que assistimos se nos mantivermos atentos.

Uma Nova Ordem Mundial pelas mãos de Hzk. Os sentidos baralhados, uma sensação de reordenação do espaço e do tempo. Ora sobes, ora desces a escadaria da mente atribulada.

Diretamente do Japão para a MiMi Records um disco que te remexe as entranhas. Poderíamos dizer-te para te sentares e te deixares viajar entre belas paisagens, mas estaríamos a mentir. Senta-te e viaja ao underground, ao teu eu mais pesado, às confusões da tua mente e deixa que Hzk te reorganize! Começa pela superfície e deixa-te descer ao submundo.

(Liner Notes publicadas com o disco a 11 de outubro de 2020)